quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Por que os programas de controle para salmonella em aves falham?

1. Introdução 


O gênero Salmonella representa um dos grupos de bactérias de maior importância para a avicultura. Fizemos grandes descobertas sobre ele, inclusive já sabemos o código genético, mas isto não é suficiente, pois temos dificuldades em encontrá-lo. Esse gênero é conhecido a mais de 100 anos e preocupa a indústria avícola de forma crescente. Infecções por salmonela estão amplamente distribuídas em todas as espécies animais, inclusive nas aves e no homem. Dos mais de 2.500 sorotipos conhecidos, cerca de 200 já foram isolados de aves, sendo Gallinarum e Pullorum os dois mais importantes pela sua patogenicidade. Esses têm capacidade de causar doenças e matar galinhas e perus. Felizmente estão praticamente erradicados da avicultura de corte. Aparecem com mais freqüência em aves caipiras e esporadicamente em aves de postura comercial. Os demais sorotipos são os que mais preocupam no momento, pois são encontrados com relativa facilidade no ambiente criatório avícola. Eles não causam sinal clínico ou lesão e nem qualquer problema de saúde para os animais, porém aves contaminadas podem ser fontes de infecção para o homem pelo consumo de carne, ovos e derivados. Para a saúde humana, qualquer sorotipo é considerado de risco, por isso a grande preocupação com a salmonela no atual estágio da avicultura comercial. 



Recentemente a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), do Ministério da Saúde, determinou que nas embalagens de ovos fosse escrito a advertência “O consumo desse alimento cru ou mal cozido pode causar danos a saúde”. De acordo com a Anvisa essa determinação deve-se ao fato que o ovo contaminado por salmonela foi responsável por 42,2% dos 117 mil casos de doenças transmitidas por alimentos entre 1999 a 2007. Nesse período, foram registradas 64 mortes relacionadas com o consumo de alimentos a base de maionese e salpicão feitos com ovos crus ou mal cozidos. No caso da carne de aves, a legislação brasileira permite que se comercializem, no mercado interno, carcaças de frangos com cerca de 20% de salmonela. Este parâmetro vem do programa de inspeção federal que tolera até 12 carcaças positivas para 51 amostradas (HAACP). A grande maioria dos frigoríficos está bem abaixo desse número, mas mesmo assim mostra que a salmonela está presente e em números que merecem atenção. O mercado externo tem sido mais exigente, alguns importadores praticam tolerância zero e muitas empresas atendem esse requisito. Apesar das limitações de dados estatísticos recentes e confiáveis, pode-se dizer que o Brasil, no cenário global, está abaixo da média européia e americana de contaminação das carcaças de frangos, que estão entre 15 e 20% de positividade. Isto é bom, mas temos avanços para serem feitos. Os mercados continuarão a exigir níveis de contaminação cada vez menores.


2. Por que os programas falham? 
Conhecedores de que a salmonela é problema, tanto para o mercado interno como externo, produtores e indústria têm feito grande esforço e investido soma considerável de dinheiro no controle desta zoonose. Porém, os resultados nem sempre são satisfatórios. Os programas postos em prática, muitas vezes têm falhado no controle ou mesmo na redução dos índices de positividade. É bom salientar que este não é um problema exclusivo do Brasil, ele é da indústria de aves no mundo. A questão que precisamos responder é: Por que estes programas falham? Certamente esta não é uma pergunta simples pelo fato da complexidade que é controlar salmonela. A resposta pode variar de empresa para empresa. Ainda, não encontramos um programa que seja infalível ou que erradique a salmonela das aves. Porém, é possível reduzir a positividade e até trazer abaixo de dois dígitos para as carcaças e produtos. Para isso precisamos evitar alguns erros que freqüentemente ocorrem. Dentre estes erros, seguem abaixo os mais comuns:


Falta de conhecimento epidemiológico sobre salmonela – Essa na maioria dos casos tem sido a razão número um das falhas nos programas de controle. A salmonela comparativamente com outras bactérias tem um comportamento epidemiológico complexo. Por isso, necessitamos conhecer com mais detalhes este microrganismo, e a palavra chave é epidemiologia. Veja abaixo algumas características epidemiológicas, que não podem ser ignoradas quando se estabelece o programa de controle. A falta desse conhecimento gera programas falhos que não atingem seus objetivos. a) A maioria das salmonelas infecta grande variedade de animais e produtos de origem animal. São facilmente transportadas, portanto a origem de infecção num plantel ou granja pode ser bastante variada. As fontes mais comuns são: matrizes, incubatório, frigorífico, fábrica de ração e ambiente criatório; b) Uma vez a ave infectada, não há tratamento com antibiótico ou outro procedimento que garanta a eliminação completa, essa ave pode permanecer portadora; c) As aves eliminam salmonela de forma intermitente e em baixo número. Em determinado momento pode-se isolar salmonela em outros não. Um número significativo de amostragem é fundamental. Apenas no caso de S. Gallinarum e Pullorum a eliminação é mais constante; d) Uma grande variedade de sorotipos pode infectar as aves (cerca de 200). Ainda, um lote pode estar infectado por mais de um sorotipo simultaneamente. Isto torna a sorotipificação procedimento chave num programa de controle. Sem ela não há como controlar salmonela numa integração; e) Não há boa imunidade cruzada entre os diferentes sorotipos, portanto as vacinas não são polivalentes. Isto dificulta e limita o controle pela imunização; f) Embora a transmissão vertical clássica ocorra somente com os sorotipos Gallinarum e Pullorum e discretamente com Enteritidis, é relativamente comum a passagem de salmonela da matriz para a progênie, ela ocorre via contaminação da casca do ovo; g) As salmonelas são relativamente sensíveis no ambiente, mas podem persistir por semanas e até meses quando protegidas por matéria orgânica; h) Devido a salmonela ser eliminada em baixo número e de forma intermitente, com freqüência o número de amostras para monitoramento é abaixo do necessário. Resultados negativos não necessariamente refletem a realidade; i) O controle de salmonela inicia com o recebimento de aves livres, e todo o esforço deve ser feito em mantê-las livres. Conhecimento epidemiológico aliado a boas medidas de biosseguridade tem sido a grande arma.


Inexistência de um programa de controle – Para que salmonela seja controlada, principalmente num sistema de integração como está estruturada a nossa avicultura, a empresa necessita estabelecer um programa de controle. Não é possível monitorar salmonela sem que se considerem todos os setores envolvidos e que se estabeleça uma programação de amostragens e análises abrangente. Da mesma forma que existe um programa de vacinas para matrizes ou para frangos, o mesmo deve acontecer para salmonela. Este deve ser planejado de forma a contemplar os objetivos traçados. É comum observarmos empresas que reconhecem a importância da salmonela, mas realizam apenas análises esporádicas. Não existe controle de salmonela sem planejamento e sem um programa que envolva a cadeia toda.


Programa de controle não integrado – Há situações em que a empresa possui um programa de controle de salmonela, porém este não abrange todos os segmentos da criação. As grandes fontes de infecção de um plantel podem ser agrupadas em matrizes, incubatório, frigorífico, fábrica de ração, ambiente criatório e biosseguridade que envolve o homem conectando todas elas. Não é possível controlar salmonela sem que todas as fontes estejam igualmente monitoradas. A corrente vai romper se encontrar um elo frágil. Obrigatoriamente o programa tem que envolver a cadeia toda e ser conduzido de forma coordenada.


Falta de um coordenador para o programa – É comum empresas estabelecerem programa de monitoria e controle de salmonela nos diferentes setores, mas esses agirem independentes. Cada um faz os seus controles e há pouca interação e comunicação entre eles. Para ser uma indústria conforme o modelo de integração, é preciso que se escolha um líder (técnico, gerente) que coordene o programa todo e que pelo menos mensalmente reúna os representantes de cada segmento da cadeia (matriz, incubatório, fábrica de ração, frigorífico e integração) para discussões. É frequente a salmonela ser problema em apenas um ou dois dos segmentos envolvidos. Neste caso é onde os esforços devem ser concentrados. Sem um gestor geral os esforços serão dispersos e não focados, a chance de sucesso diminui significativamente. É importante que este gestor ou líder tenha acesso a todas as áreas envolvidas no programa e tenha respaldo para tomar as medidas necessárias.

Interrupção do programa –
 Há muitos casos em que a empresa reconhece a necessidade de um programa de controle de salmonela e o mesmo é estabelecido. No início existe entusiasmo, o monitoramento funciona, mas por acomodação, pequena crise ou foco em outras prioridades o mesmo passa para segundo plano e é interrompido. Com isso perde-se o investimento inicial e as informações são parcialmente geradas. É fundamental que haja consistência na geração de dados. A robustez do programa só vem com a continuidade. A interrupção tende a invalidar o que foi anteriormente obtido e compromete totalmente o futuro. A equipe técnica e a direção da empresa devem estar conscientes que programas não devem ser interrompidos, apenas corrigidos se necessário.

Controlar salmonela exige investimento – 
É utopia pensar que um programa de controle para salmonela se faz com meia dúzia de análises e sem custos. Ele exige planejamento e envolve finanças. A gerência/direção da indústria deve estar consciente da necessidade de investimento, (análise de laboratório tem custo). A complexidade da salmonela não permite simplificar e simplificar para cortar gastos. É muito frequente reduzir o número de análises a ponto dos resultados não serem confiáveis. Quem só fica de olho nas finanças, no atual estágio da avicultura, tem que ajustar a visão. Controle de salmonela não é custo, é investimento. A perda de um negócio, o retorno de um container, a eliminação de um lote pagam o programa de salmonela por uma década. Comparativamente com o valor de um lote, os custos do monitoramento para salmonela são insignificantes. As falhas apontadas acima não são as únicas, existem muitas outras. Estas foram destacadas por estarem entre as mais frequentes e serem importantes. Muitas parecem simples, mas na prática tem grande significado e não podem ser deixadas de lado. Não há como controlar salmonela sem que todas sejam cuidadosamente consideradas.







O quadro acima exemplifica as diversas fontes de infecção por salmonela que podem estar presentes numa estrutura de integração avícola. Observe que elas são diversas, portanto o programa de controle se torna complexo por conta desta diversidade. A monitoria deve ser ajustada para cada empresa conforme os objetivos e o histórico, porém é fundamental que contemple todos os segmentos da cadeia.
Autor/s. :  Alberto Back
            Alberto Back     Rio Grande do Sul
             Med. Vet., MSc. PhD /Mercolab

Enviado por Dr. Marcio André Lanzarin