Monteiro Lobato - Empresa / Trabalho

Toda empresa industrial, que se respeita e pretende desenvolver-se cada vez mais, deve basear-se nos seguintes princípios:


1º) O verdadeiro objetivo de uma indústria não é ganhar dinheiro e sim bem servir ao público, produzindo artigos de fabricação conscienciosa e vendendo-os pelos preços mais moderados possíveis. A indústria que se norteia por estes princípios nunca pára de crescer, nem de desdobrar-se em benefícios para todos que cooperam. Torna-se uma obra de paciência, consciência e boa vontade - três elementos sem os quais nada se consegue no mundo.


2º) Uma empresa industrial depende da cooperação de três elementos: os diretores, os operários e o consumidor. Sem o concurso destes três fatores a indústria não pode subsistir. Assim, os diretores, os operários e o consumidor funcionam como sócios da empresa e nessa qualidade têm o direito à participação nos lucros.


O sócio consumidor participa dos lucros, recebendo artigos cada vez mais caprichados e por preços cada vez mais baixos. A indústria que procura lesar esse sócio, impingindo artigos malfeitos e caro, não é indústria, é pirataria.
O sócio operário participa dos lucros sob formas de constantes aumentos de salários. A indústria que não sabe ou não pode proporcionar este lucro ao sócio-operário, não cumpre a sua alta missão.
O sócio capitalista participa dos lucros sob forma de dividendos razoáveis. Ele forneceu o capital necessário à montagem da indústria e tem direito a uma remuneração proporcional.


3º) Os diretores da empresa fazem parte do seu operariado, com a única diferença que lhes cabe o trabalho mental da organização e da coordenação. A eles incube promover, com inteligência e segurança, a venda dos produtos, de modo que nunca falte trabalho na fábrica e que, pela boa direção dos negócios, os três sócios aufiram os lucros a que têm direito.


Mas a todo direito corresponde um dever. O dever do sócio capitalista é não desprezar os outros sócios, querendo tudo para si; é contentar-se com uma quota justa, que não sacrifique o sócio-consumidor nem o sócio-operário.


O dever do sócio operário é dar à empresa a soma de trabalho que, ao nela ser admitido, se comprometeu a dar. Tanto lesa a indústria e a aniquila o mau padrão como o mau operário. Por mau operário entende-se todo aquele que trabalha de má vontade, procurando nas horas de oficina "encher o tempo" em vez de produzir. O operário que assim procede prejudica a si próprio, a sua família e a sociedade em que vive. Se todos fizessem o mesmo, o que sucederia? A empresa cessaria de dar lucros, teria de baixar os salários e, por fim, fechar as portas, privando de trabalho inúmeras criaturas humanas.


Precisamos não esquecer nunca de que o trabalho é a lei da vida.


Sem trabalho não se vive. Tudo que na Terra existe a mais da natureza é produto do trabalho humano. Só o trabalho pode melhorar as condições de vida dos homens. Se assim é, nada mais inteligente do que trabalhar com alegria, consciência e boa vontade.


Nas empresas industriais de alto tipo, o salário é uma forma prática de dar ao sócio-operário a sua parte nos lucros da produção. Mas como há de uma empresa auferir lucros suficientes para isso, se o operário produz pouco e de má vontade? Quem paga o salário não é o capital. Este apenas fornece as máquinas. Quem paga o salário é a produção, o que vale dizer que o operário se paga a si próprio. Ora, se assim é, quanto maior, mais eficiente, mais econômica e rápida for a produção, mais os lucros avultam e maiores serão os salários. Como podem pretender melhoria de salário o operário que produz mal, se o salário é uma conseqüência da sua produção?


A economia de tempo e material representa lucro e aumento de salário. Quem pode fazer um serviço em uma hora e o faz em duas; quem perde um minuto que seja de trabalho lesa a empresa e lesa, portanto, a si próprio. No fim do ano, a soma desses pequenos desperdícios representa muito. A empresa que consegue evitá-los habilita-se a beneficiar o público com melhoria de preços e ao operário com melhoria de paga.


Trabalharemos, pois, com amor e com bondade, conscientes de que somos um organismo capaz de ir ao infinito, se todas as células cooperarem em harmonia para o fim comum. Podemos nos transformar numa empresa que nos orgulhe a todos - e a todos beneficie cada vez mais. Para isto, o meio é a preocupação constante de produzir com o mais alto rendimento em perfeição e presteza.


Quem não pensar assim prestará um verdadeiro serviço à empresa, ao público e aos seus colegas, retirando-se. Nossa empresa saiu do nada, é filha de um modesto livrinho e tendo mil obstáculos já faz honra a São Paulo. Mas devemos considerá-la apenas como um início do que poderá vir a ser. Está em nossas mãos torná-la um jequitibá majestoso a cuja sombra todos nós possamos no abrigar - nós e mais tarde nossos filhos. Mas, se não trabalharmos com boa vontade e consciência do que estamos fazendo, o jequitibá não assumirá nunca a majestade que tem na floresta e não dará a sombra de que todos precisamos.


Mundo da Lua e Miscelânea, Vol. 10 da 1ª Série das Obras Completas de Monteiro Lobato, Editora Brasiliense Ltda., 1948